sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Manifesto particular contra todo tipo de intolerância

por Nanci Vellose de Souza
contato:nancivelpsc@gmail.com
Professora, Pedagoga e Psicopedagoga

Atualmente tenho lido muitas notícias, nas mais variadas mídias fazendo relatos sobre a intolerância, sobre cartazes expostos com manifestações de ódio, sobre intolerância religiosa, vetos a movimentos de livre expressão, escolas tendo seus projetos barrados por conta da temática discutida, a liberdade sendo vigiada num falso discurso democrático que ao mesmo tempo liberta e controla as ações populares, e todos esses fatos ao mesmo tempo que me indigna e amedronta. Será que vamos presenciar os horrores vividos na época da ditadura?

Depois de tantas discussões, lutas, resistência e ações buscando liberdade de expressão e igualdades de direitos a todos; retroceder seria muito triste.

O que mais me preocupa é a disseminação de ideias ruins, sendo propagadas abertamente e abrindo possibilidades para que outras pessoas que tenham incutidos em si o racismo, o preconceito e a intolerância se sintam fortalecidas a se juntar aos “tais grupos” e façam avivar em si aqueles antigos sentimentos de ódio que há muito tempo estavam adormecidos; e a situação realmente comece a se complicar.

Vivemos num mundo onde os nossos ideais não são os mesmos, nem tão pouco as nossas crenças, valores e escolhas, mas é preciso acreditar que as nossas diferenças não nos tornam inimigos, que a cor de nossa pele não nos faz inferiores ou superiores uns aos outros, que a opção sexual de um indivíduo não o diminui, que todos os grupos étnicos devem ser valorizados e suas histórias respeitadas. Somos todos iguais.

Os assuntos que nos séculos passados eram tabus, hoje são tratados abertamente, o que nos incomoda deve ser trazido a mesa para discussões, o vão que nos separa por divergentes opiniões não pode ser maior que os laços que nos unem enquanto cidadãos que vivem numa democracia e que por lei devem ter os seus direitos a livre expressão preservados e garantidos.

Não tenho lindas palavras para falar de algo que me desagrada, mas tenho claro em mim o sentimento de tristeza e medo de ver cada dia as fontes de notícias divulgando que a intolerância levou os homens ao caos, e me envergonho ao pensar que se tudo seguir nesse compasso, num futuro bem próximo todas as pessoas não mais se respeitarão, se atacarão, se ofenderão e não poderão se manifestar publicamente nem opinar sobre aquilo que acreditam.

Me esforço para acreditar que a Segurança Pública irá garantir os nossos direitos legais, de ir e vir, de nos expressarmos livremente e que irão nos salvaguardar de ataques de racismo, preconceito, ódio e todos os tipos de intolerância e espero que venham dias melhores ...




quarta-feira, 25 de outubro de 2017

MEUS CABELOS CRESPOS NÃO SÃO A MINHA ÚNICA IDENTIDADE NEGRA.

Escrito por Nanci Vellose de Souza
contato:nancivelpsc@gmail.com
Professora, Pedagoga e Psicopedagoga                      

Mudar momentaneamente o formato original do seu cabelo afro, não quer dizer que você esteja negando a sua identidade negra, e sim que você está exercendo o seu direito de liberdade (tal qual os outros grupos étnicos o fazem); e ainda está se permitindo ser livre e se apresentar em público como quiser, ora lisa, ora crespa, mas da maneira que se sentir feliz naquele momento.
Entendo que o cabelo crespos seja um traço característicos dos negros, mas não é apenas o cabelo que me representa enquanto negra.

O lamentável equívoco está numa linha de pensamento radical que padroniza, “engessa” o negro e limita suas possibilidades de escolha, afirmando que o negro deve assumir o seu cabelo crespo sem outras possibilidades de escolha.

Durante um evento em Florianópolis-SC, tomei conhecimento do desagrado e desentendimento que o critério de verificação de negros e não negros, (para identificar quem terá direito às cotas ou não), está causando e pautada nessa discussão podemos nos apoiar e afirmar que a identidade de uma pessoa não é representada apenas  pelo formato  apresentado em seu cabelo afro ou não. 
Afinal, o que é identidade, como somos identificados enquanto negros? Vamos aos conceitos :


aquilo que diferencia cada um e nós e só nos iguala a nós mesmos    ,

mesmo que seja entendida num processo de transformação, é da ordem
da representação e está localizada na consciência... Ela diz respeito à
imagem como a pessoa se vê no plano subjetivo, como percebe o   que
lhe é próprio enquanto individualidade diferenciada”. (Gomes, 1995
p.42 e 43)

Continuo nos meus pensamentos e questiono: Se dentro do termo “negro” podemos encaixar vários tons de pele entre o preto retinto e o pardo com diferentes tons de pele, também podemos aceitar vários formatos de cabelos com diferentes ondulações e volumes, indo do crespo menos volumoso ao muito crespo.
Não será o volume dos cabelos a razão da perda de identidade de um indivíduo negro e sim como foi construída e entendida a sua identidade, como o indivíduo se aceita. A opção de estar com os cabelos quimicamente modificados ou diferentes do seu formato original crespo, não será o fator determinante para a perda de identidade de ninguém, pois um indivíduo pode se apresentar no cotidiano com os cabelos lindamente crespos e volumosos e ao ser abordado por um órgão de pesquisas e se declarar branco por não se aceitar negro, nem mesmo sabendo qual o seu histórico familiar...

Por fim, vale a reflexão e o alerta que fica para as linhas radicais de pensamento, que  não padronize os negros e negras, que permitam que as pessoas  sejam livres e que vivam de acordo com suas escolhas, ninguém é obrigado a se apresentar como não deseja apenas por conta de um padrão socialmente traçado  ou para não desagradar o discurso daquela pessoa que  tanto admira....deixe que a mulher negra seja feliz do jeito que ela quer ser...mulher é como camaleão, cada dia está de um jeito de acordo com seu estado de espírito...vivam e deixem os outros viver usufruindo do  seu direito de se expressar como quiser. Uma gosta liso, outra crespo, outra trançado, outra solto, outra com “mega-hair”, outra passa a  chapinha, mas todas são negras e se reconhecem como pertencentes a esse grupo.

O importante ao meu ver é que a pessoa se entenda enquanto negra, que aceite sua origem, que valorize a sua história e compreenda a diáspora e seja feliz. Não podemos admitir que uma pessoa deixe de frequentar um ambiente por que seu cabelo está quimicamente tratado e será constrangida por outros em virtude de sua escolha.

Não concordo e nem aceito nenhuma linha radical de pensamento que padroniza pessoas em série, que limita possibilidades e que distorce conceitos. A história do povo negro já vem por si só carregada de marcas e dores que não cessam, e espero que não seja agora a padronização de um formato de cabelo que venha fazer mulheres infelizes por não poderem fazer valer o seu direito de liberdade de escolha.

Referências Bibliográficas:
GOMES, Nilma L. A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte: Maza edições, 1995.

A importância de professores negros como referência para educandos negros , e a necessidade de mesclar a sala dos professores entre pretos e brancos.

Escrito por
Nanci Vellose de Souza 

contato: nancivelpsc@gmail.com                     
Professora, Pedagoga e Psicopedagoga


O objetivo desse relato de experiência é ressaltar a importância da referência de professores negros para educandos negros, tanto na primeira infância, quanto em quaisquer outros estágios de desenvolvimento e formação.
Nessa jornada na carreira do magistério percebo que a sala os professores poderia ter um tom mais mesclado entre "pretos e brancos", ou seja, vejo uma disparidade entre o número de professores negros e brancos no recinto escolar.
Historicamente esta disparidade quantitativa poderia ser justificada por conta de um período quando foi negado aos negros o direito de acesso às escolas, mas muito embora esse fato histórico tenha ocorrido há tanto tempo, ainda não houve uma retomada total dos espaços para que a representação dos negros no cenário social seja igualada à ocupação dos demais grupos étnicos.
O que mais me preocupa nessa análise é que existem espaços a serem ocupados, mas também existe o recuo por um grande grupo de negros que não se sentem representados por serem minoria.
Conversando com uma colega, também professora e negra como eu, percebi nela um "nó na garganta", um “grito guardado", certa indignação ao perceber a pequena representatividade de negros no âmbito escolar; que o número de professores negros no espaço escolar equivale a menos de 1% do total de aproximadamente 90 professores.
Essa observação incomodou minha colega, mas não me apavora nem intimida, serve como alerta, pois entendo que se quisermos espaços igualitários, como a lei nos permite ter, temos que tomar posse dos espaços que queremos para nós e; se recuarmos sempre, cada hora com uma alegação diferente, não estaremos sendo merecedores de todo o sacrifício que nossos antepassados fizeram em busca de liberdade e igualdade de direitos, e sigo nessa reflexão...
Quanto aos educandos dos anos iniciais (cito 1º ano, seis anos de idade); percebo que os alunos negros se identificam mais do que os outros com os professores negros, se aproximam de maneira diferente, mais afetivos, buscando acolhimento próximo a "um igual" a si. Isso ocorreu comigo principalmente no primeiro trimestre do ano corrente, quando as crianças estavam recém chegadas das creches e núcleos de educação infantil, onde o contato e o acolhimento são diferenciados, principalmente por ser esse um dos primeiros núcleos sociais dos quais estas crianças pertencem depois de seus núcleos familiares.
Poderíamos analisar nesse momento alguns aspectos estatísticos e efetivar esse relato com bases numéricas atuais, mas os números apenas iriam confirmar o que já sabemos, que há defasagem de negros no magistério, nas universidades, no cenário nas artes, e em tantos outros espaços....
Com esse relato eu busco colocar em discussão duas reflexões básicas:
- É preciso motivar os negros a assumirem os espaços que estão à sua espera, fazer com que estejam presentes em todos os espaços, se tornem visíveis aos olhos de todos e usufruam dos benefícios conquistados, através de muita luta.
- Alertar sobre a necessidade de se apropriarem de sua identidade negra, de reparar as perdas históricas, de se libertar das antigas amarras e se valorizar enquanto pessoa e enquanto grupo social de grande representatividade para a história do Brasil.

Apenas quando os negros entenderem o peso e o valor da cultura negra (africana e afro-brasileira) para a História, poderemos então ver todos os espaços sociais e não apenas as sala dos professores, mesclados igualmente entre "pretos e brancos", e cabe a cada um de nós negros lutar para equiparar os números e realmente igualar a ocupação dos espaços sociais por todos os grupos étnicos.
Ainda hoje tenho grandes mestres e doutores negros que me inspiram a seguir adiante e que me servem como referência e sou grata a todos os que lutam pelas causas dos negros e pela educação.

A IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA, A FAMÍLIA E AS AÇÕES AFIRMATIVAS NA ESCOLA.


Escrito por Nanci Vellose de Souza
contato : nancivelpsc@gmail.com
Professora, Pedagoga e Psicopedagoga
Para abrirmos o tema identidade da criança negra e ações afirmativas na escola, temos que iniciar o assunto voltando para o começo da história de vida de uma criança negra para entendermos alguns pontos importantes; como a criança negra está sendo criada; qual o entendimento sobre quem ela é, sobre sua cor, seus cabelos, suas origens, sobre como ela se vê em relação aos outros, sobre o fator autoestima, que irá determinar se esta criança irá gostar de si e se aceitar, perceber a partir de observações individuais e grupais se esta criança gosta de si com as suas características, e principalmente sondar essa criança para saber o que incutiram em sua cabeça durante o processo de desenvolvimento.
De acordo com o meu entendimento o processo de formação da identidade da criança deverá ser iniciado em casa, antes da chegada da criança ao núcleo de educação infantil e o meio onde essa criança está inserida também será fator determinante para a formação de sua identidade, pois alguns equívocos vistos e ouvidos, poderão lamentavelmente serem repetidos e a criança tende a internalizar o que ouve e vê e reproduzir em seguida.
Muito embora algumas famílias achem que não estão preparadas para tratar sobre o tema identidade, penso que em casa as famílias devam responder de maneira simplificada a todas as perguntas feitas pelas crianças, promover as interações sociais de seus filhos com outros grupos étnicos, fazer com que a caixa de brinquedos seja mesclada com bonecos brancos e negros, que as histórias infantis tragam nos livros os príncipes e as princesas negras juntos aos demais livros e que o convívio com diferentes grupos raciais seja o mais natural possível; esse é segundo o meu olhar o caminho inicial para se dissipar o preconceito.
O ideal seria que quando uma criança, seja ela negra ou branca, chegue ao núcleo de educação infantil ou nos anos iniciais de sua escolarização, já tenha tomado conhecimento que existem diferenças entre as pessoas, que existem vários tons de pele, vários tipos de cabelo, aparências diferentes umas das outras, e que todos deverão conviver no mesmo espaço e se respeitar.
Nos núcleos de educação infantil, ou nos anos iniciais da escolarização, as práticas pedagógicas trarão intencionalmente propostas que levarão as crianças a se observar e a observar o outro e assim surgirão as primeiras problematizações e as posteriores explicações.
Os professores deverão estar preparados para os mais variados questionamentos e ter vasto referencial de leituras para permitir clareza em suas respostas e quando surgirem as questões de preconceito no espaço escolar deverão ser agentes mediadores do problema e se manter imparcial.
Na espaço escolar as ações afirmativas irão se concretizar pelas mãos dos professores, que terão a incumbência de fazer com que todos os grupos se sintam representados no contexto trabalhado, pois quando um indivíduo não se sente representado, ele não se interessa pelo tema, e o nível de interesse e participação baixam muito.
A questão das ações afirmativas, não é muito complicada, a complicação surge a partir do não entendimento. A maneira mais simplificada de entender as ações afirmativas, poderíamos dizer que são aquelas ações pensadas para diminuir ou minimizar as desigualdades, que incluirão pessoas que foram excluídas, seja por fatores econômicos, sociais, raciais entre elas e as ações essas que irão reforçar positivamente o indivíduo, afim de que esse se torne agente de sua história de vida, criando oportunidade de visibilidade e inserção social, a partir de ações motivadoras.
O principal foco da ação afirmativa é fazer com que todos os grupos se vejam representados e possam competir igualmente, ter as mesmas oportunidades sociais e se sentir parte do contexto.
Falar sobre ações afirmativas na escola, quer dizer que temos que abrir discussões sobre esse tema, que é preciso debater, rever o currículo escolar, ir em busca da valorização da identidade negra, fazer com que o negro se orgulhe de ser quem é , de buscar orientação e formação para os professores afim de que os equívocos cometidos nos materiais didáticos e na historicidade da África e dos africanos não sejam repetidos e para que todos os grupos sejam vistos e representados no cotidiano escolar.
Para conseguirmos diminuir registros de casos de bullyng, expressões visíveis de racismo e   preconceito, xenofobia, homofobia, temos que falar sobre o assunto da igualdade racial, sobre os direitos legais adquiridos nos últimos anos e que nos garante o direito de estar em todos os lugares, de sermos tratados igualmente, de vestir o que quisermos, de ter os cabelos volumosos e crespos, enfim, de ser quem somos e como somos, de sermos autênticos...
Valorizar a cultura africana, o processo de aculturação que esse convívio nos proporcionou é a única receita para seguirmos em busca de outras políticas de ações afirmativas. Não podemos mais não mencionar determinados assuntos, temos que falar sobre o que nos incomoda e apenas assim criar possibilidades de resolver os problemas que a sociedade nos apresenta cotidianamente.
 Fpolis,07/17